05 julho, 2012

Sonhos no sétimo andar

Aquele era um trabalho solitário, até um pouco duro, mas pagava as contas e, naquela pequena cidade, era melhor que nada.
Ela ia a cada um dos quartos, diariamente, arrumar camas, trocar toalhas e conferir o frigobar - rotina de hotel, coisa simples.

Como toda rotina, uma hora tudo parece incomodar, parece que nada mais encaixa direito. E aquela tarde quente, apesar do inverno corrente, estava assim.
Ela chegara à porta do 404, onde acabara de ser informada pelo rádio que o hóspede passara suas últimas horas na pequena cidade do planalto central. Entrou no quarto, tudo como de costume: cobertas reviradas, toalhas secando no banheiro, até aí, nenhuma novidade.
Trocou os lençóis e as toalhas, deixou tudo como novo para que o próximo hóspede se sentisse em casa no hotel conhecido como "o orgulho da cidade" e foi verificar o frigobar.

Para sua surpresa, em vez de encontrar itens faltando, encontrou uma cerveja esquecida pelo hóspede. A casa instruía a jogar qualquer comida ou bebida esquecida pelos hóspedes no lixo, e assim procederia: levantou o anel e abriu a latinha, se dirigindo ao banheiro do quarto.
Nos poucos passos até seu destino final, o cheiro do álcool, o calor e a rotina finalmente a venceram: por que desperdiçar uma cerveja gelada, nesse calor escaldante? Titubeou por alguns instantes, pensava no que poderia decorrer de seu ato rebelde. Mas o cansaço a venceu e o primeiro gole veio.
Uma sensação de torpor tomou conta de seu corpo, aquele torpor que nos toma de assalto depois de um longo dia de trabalho ao chegarmos em casa. E ela gostou muito daquilo.

Rapidamente, foi até a porta e olho pelo corredor: ninguém a acompanhara. Fechou a porta rapidamente e trancou de um só golpe.
Soltou seu corpo na cama, lentamente, enquanto sorvia o líquido gelado da lata. "São só alguns minutos", pensou.
Logo, já tinha se livrado do sapato e das meias, enquanto deixada o ar que entrava pela janela passear pelos seus dedos massacrados pelo calçado e pelo peso de seu corpo. O torpor aumentava a cada instante. O inevitável estava prestes a acontecer.

O corpo se soltava com o álcool, a mente já perdida pelo que via na janela. Não tardou e o inevitável aconteceu: o sono se apossou de seu corpo e mente.
Foram turbilhões de sonhos, viagens a terras distantes, visitas de pessoas queridas e que há muito deixara em sua cidade natal para procurar por melhor sorte em outro estado - o que aparentemente não aconteceu.

Em seus sonhos, depois de mil loucuras, apareceu o galã da novela das 8. Sua felicidade era total em perceber que o homem da vez na mídia se apaixonara por ela, que não se fez de rogada e logo partiu pra cima dele, pulando em seus braços fortes...

...soou alto o rádio, desesperadamente. Rompendo sonhos, torpores, trazendo de volta à realidade a sonhadora camareira. O forte sotaque candango perguntava: "já terminou o 7o andar? Por que a demora?"

Era o fim de um sonho que povoaria sua mente pelo resto da semana: por que tudo que é bom dura pouco?

Um comentário:

Renato Alt disse...

Gostei do ritmo, gostei do contexto "simples" em que seu conto se passa. Afinal, enxergar para além do básico, para além do que os olhos vêem, é sempre um terreno mais do que interessante para explorar.

Parabéns.