30 julho, 2012

Série Visões: Renata Stort e Caroline Bohone





Nas minhas andanças fotográficas, fui ao Parque de Esportes Radicais, em São Bernardo do Campo, procurando por imagens de esporte amador. Encontrei a foto acima, uma visão de superação e alegria. (Veja mais aqui)

Esse primeiro post foi feito com a ajuda da Renata e da Caroline, amigas minhas, mas a idéia é trazer sempre pessoas diferentes, sem que uma saiba do estilo da outra, sem combinações entre elas, só a vontade de cada uma e o a sua própria visão.

Começamos o projeto com a Renata Stort, amiga de longa data, escritora e jogadora de futebol, dona do Eu Posso Voar!

Talvez eu fosse deficiente
Se eu não acreditasse que sou diferente
E que o mundo que eu acredito deveria existir em algum lugar
Nem que fosse dentro de mim
E foi aí que eu entendi
E que enquanto alguns sobrevivem
Eu apenas vivo
Porque as pessoas nascem para certas coisas nesse mundo
E eu, eu nasci para voar!


E com a sua visão, temos a Caroline Bohone, estudante de letras e professora, dona do Silabário da Poetisa, que mandou o seguinte texto:

Dikhotomía*

O que é acaso e o que é destino? O que é rotina, vicissitude, o que é uma quebra, uma
queda, a gota d’água? O limite entre as coisas que se opõem é sempre algo discutível,
constantemente rebatido. Há quem acredite que a vida esteja escrita em um livro místico
guardado a sete chaves no sétimo céu. Existe também a ideia de que nada ultrapasse o
desejo do acaso. Vive-se de efeito borboleta. Não obstante àquilo que cada um em seu íntimo preserve como crença, existe a realidade que se agita dia após dia, seja obra do destino ou afã da ocasião.

Perder as pernas num acidente, por exemplo. Já estava escrito num compêndio divino, ou foi simplesmente relatado no jornal da manhã? E é diante de um fato como este, que paramos estupefatos, catatônicos, buscando explicação. Hão de dizer do pobre rapaz o quanto era jovem e por isso não merecia tal ocorrido. Haverão de agradecer por ele não ter perdido a vida. As pernas pela vida. A troca é justa?

No entanto, não importa o quanto o momento nos exaspere. Se a vida se resumisse a este
ínterim, tudo bem. Contudo, o que fazer com o instante seguinte? Após o trauma, o susto,
o acidente, a medonha pintura que o destino emoldurou. A verdade é que a vida não está
tão intrinsecamente ligada aos fatos. Levar a vida talvez seja reagir a ela e aos seus inúmeros caprichos.

Pode ser que viver seja uma escolha. Assim como é persistir, ser teimoso. Provar para a vida quem controla quem, afinal. Escolher ler com as mãos, já que os olhos só enxergam o negrume de uma noite eterna. Optar por deslizar sobre rodas já que os pés não reconhecem mais a função para a qual foram programados. Sorrir e cantarolar sob o sol da cidade estalando no refletir das janelas azuis dos prédios, ao invés de maldizer o veranico em pleno inverno.

Ser e estar são escolhas, bem como é uma escolha o lugar aonde se quer chegar. Há quem escolha ficar parado. Porque é confortável, porque assim não há tropeço, nem arranhão.
Também não há vitória. Vencer ou perder, criar uma nova possibilidade ou repetir o que já
foi consumado, teimar ou resignar-se, aprender ou permanecer na ignorância, assim como
fazer ou não fazer, são parte do caminho cheio de bifurcações a que damos o nome de vida. Se acaso ou destino, de que importa? Mais importante é escolher para qual lado do muro pular.

* Do grego, a palavra em português se diz dicotomia, e é a relação entre dois opostos que se completam num sentido amplo. Por exemplo, dia e noite são opostos que coexistem formando a noção que se entende pelo período de vinte e quatro horas que formam o giro da terra em torno de si mesma.


E você, o que vê na foto? Quer participar do projeto? Deixe seu e-mail e o link para seu blog, álbum de fotos ou onde for que você deixe sua arte. Mas não se esqueça: imagens valem mais que mil palavras. Mas quem põe essas palavras, quem as cria, somos nós, que fazemos nossas visões.

28 julho, 2012

Série: Visões

Estou trabalhando num post compartilhado: 2 escritoras, 2 visões diferentes numa foto minha.

Em breve, posto aqui para que vocês possam ver como uma imagem pode ter um significado tão diferente para duas pessoas em contextos, formações, idades e localizações tão diferentes.

Como funciona: pedi a duas pessoas diferentes que escrevessem algo sobre uma foto minha. Vou publicar a foto e os dois textos. A intenção não é competir, não é quem escreve melhor ou qualquer coisa do tipo. É mostrar que as imagens não só registram algo, mas acessam pontos da nossa mente intimamente ligados à nossa educação e valores. Vamos ver no que vai dar?

17 julho, 2012

Deseducação

Há um dilema, ao menos dentro de mim, sobre educação.
Não, hoje não quero reclamar sobre a educação ou os modos de ninguém. A observação é sobre "educar" a arte.
Fico pensando comigo, analisando a minha fotografia e a minha música, e pergunto: o que seria da minha arte se eu a educasse? Se estudasse métodos e processos, em vez de os descobrir naturalmente, como tento fazer?
Será que a espontaneidade seria perdida, mas o resultado valeria a pena? Será que a qualidade técnica cresceria tanto que a emoção de cada resultado feliz seria calada?
Leio sempre que posso, principalmente sobre fotografia, pra tentar melhorar minha técnica. Mas ainda creio na minha ignorância, creio em sentir cada uma das minhas fotos.
Acho que assim, posso continuar contando com sussurros e dicas de grandes artistas que, de uma maneira ou de outra, me cercam.

"Fotografo sabendo operar a máquina
Conheço luz, abertura, e um pouco de composição
Vou chamar isso de deseducação
Que é a arte de não saber, e por não saber, criar com o coração
É por os olhos a serviço de forças não vistas
É dar contornos de sorriso e felicidade a momentos que sumiriam sem deixar pistas"

05 julho, 2012

Sonhos no sétimo andar

Aquele era um trabalho solitário, até um pouco duro, mas pagava as contas e, naquela pequena cidade, era melhor que nada.
Ela ia a cada um dos quartos, diariamente, arrumar camas, trocar toalhas e conferir o frigobar - rotina de hotel, coisa simples.

Como toda rotina, uma hora tudo parece incomodar, parece que nada mais encaixa direito. E aquela tarde quente, apesar do inverno corrente, estava assim.
Ela chegara à porta do 404, onde acabara de ser informada pelo rádio que o hóspede passara suas últimas horas na pequena cidade do planalto central. Entrou no quarto, tudo como de costume: cobertas reviradas, toalhas secando no banheiro, até aí, nenhuma novidade.
Trocou os lençóis e as toalhas, deixou tudo como novo para que o próximo hóspede se sentisse em casa no hotel conhecido como "o orgulho da cidade" e foi verificar o frigobar.

Para sua surpresa, em vez de encontrar itens faltando, encontrou uma cerveja esquecida pelo hóspede. A casa instruía a jogar qualquer comida ou bebida esquecida pelos hóspedes no lixo, e assim procederia: levantou o anel e abriu a latinha, se dirigindo ao banheiro do quarto.
Nos poucos passos até seu destino final, o cheiro do álcool, o calor e a rotina finalmente a venceram: por que desperdiçar uma cerveja gelada, nesse calor escaldante? Titubeou por alguns instantes, pensava no que poderia decorrer de seu ato rebelde. Mas o cansaço a venceu e o primeiro gole veio.
Uma sensação de torpor tomou conta de seu corpo, aquele torpor que nos toma de assalto depois de um longo dia de trabalho ao chegarmos em casa. E ela gostou muito daquilo.

Rapidamente, foi até a porta e olho pelo corredor: ninguém a acompanhara. Fechou a porta rapidamente e trancou de um só golpe.
Soltou seu corpo na cama, lentamente, enquanto sorvia o líquido gelado da lata. "São só alguns minutos", pensou.
Logo, já tinha se livrado do sapato e das meias, enquanto deixada o ar que entrava pela janela passear pelos seus dedos massacrados pelo calçado e pelo peso de seu corpo. O torpor aumentava a cada instante. O inevitável estava prestes a acontecer.

O corpo se soltava com o álcool, a mente já perdida pelo que via na janela. Não tardou e o inevitável aconteceu: o sono se apossou de seu corpo e mente.
Foram turbilhões de sonhos, viagens a terras distantes, visitas de pessoas queridas e que há muito deixara em sua cidade natal para procurar por melhor sorte em outro estado - o que aparentemente não aconteceu.

Em seus sonhos, depois de mil loucuras, apareceu o galã da novela das 8. Sua felicidade era total em perceber que o homem da vez na mídia se apaixonara por ela, que não se fez de rogada e logo partiu pra cima dele, pulando em seus braços fortes...

...soou alto o rádio, desesperadamente. Rompendo sonhos, torpores, trazendo de volta à realidade a sonhadora camareira. O forte sotaque candango perguntava: "já terminou o 7o andar? Por que a demora?"

Era o fim de um sonho que povoaria sua mente pelo resto da semana: por que tudo que é bom dura pouco?